segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Crônica de um dia comum

Na manhã de hoje a liberdade do sono eterno me tentou. Apesar de ter programado muitas atividades essenciais para esta manhã de feriado prolongado (leia-se atividades que não consigo desempenhar em dias de luta proletária), no silêncio e no escuro do quarto eu fiquei. Entre cochilar, acordar, sentir culpa, voltar a adormecer, olhei para o relógio e decidi. Esta é minha vida, essa ociosidade me pertence, a agitação do mundo lá fora não me seduz. Legitimei o crime.

Assim que tomei esta decisão, chafurdei a cara novamente no travesseiro que ainda tinha o cheiro do meu galego. Era muita tentação. Cama só para mim. Sem nenhuma televisão ligada intrometida. Nem coisas sendo derrubadas na cozinha. Pensei que poderia fazer uma costela assada a lá Ana Maria Braga no almoço de outro dia. Perdoei-me. A casa nem estava tão bagunçada assim. Eu acho...

De repente...alguém bate palmas lá fora, de forma enérgica e decidida. Não seria engano. Era aqui mesmo. Pensei, esperançosa, que poderia ser um evangelizador temporão (pois eles só vem no domingo e um pouco mais tarde). Parecia palmas masculinas, caso fossem de mulher a mão teria ficado vermelha além do suportável.

Esperei. As palmas continuaram. Achei que a casa fosse ser invadida. Senti até tontura, um torpor estranho quando, após a insistência, tive que finalmente levantar-me com esforço e por a cabeça na janela. Afastei a cortina e corajosamente disse: - Bom dia.

Vejo um homem com cara de pressa, todo amarelo, carro do Sedex nacional. “Mierda”. Ele não é desses que irá desistir e voltar outra hora. Era o carteiro. O “smile” respondeu: - Patrícia?

Pensei em mentir, mas já tinha jogado merda no ventilador quando pus a cabeça na janela. Acenei com a cabeça e levantei. Os planos tinham ido por água abaixo. Coragem pensei. Coragem! Coloquei um vestido do avesso que estava jogado no chão. O cabelo sem dúvida era assustador. Tinha me transformado em uma “afro-oriental”, meus olhos estavam tão pequenos e inchados que achei que ia ficar cega quando o sol batesse neles.

Tentei fingir dignidade, mesmo estando em um estado deplorável. Quando ele me viu, escondeu um sorriso maldoso de satisfação. Eu percebi. Era uma revista. A porcaria de uma revista atrasada de agosto. Quis morrer.

O carteiro disse:

- Assina aqui para mim, por favor? Se você conseguir enxergar é claro...

Tive vontade de voar nele. Não respondi. Nem estava vendo onde devia assinar mesmo.

Ele insiste:

- Adoro acordar as pessoas de manhã. Isso são horas para dormir. Um dia bonito destes.

Ele estava provocando.

- Você deve estar brava né. Háháhá.

Finalmente eu respondi.

- Não, você me salvou. Não conseguia levantar da cama e você foi motivador. Vou assar uma costela para o meu bem agora. Vou abrir uma cerveja gelada também para conseguir fazer isto. Depois pular na piscina do fundo de casa. Vida difícil né?

Menti mesmo... eu sei.

Ele pareceu incomodado. Fechou a cara. Quase arrancou a prancheta da minha mão e deu o golpe de misericórdia:

- Hoje é um dia bom para limpar casa também.

Disse isso olhando deliberadamente para a sujeira na área da frente. F.D.P. amarelo dos infernos.

Entrei, esperei ele virar a esquina. Coloquei a roupa suja para lavar. A costela no forno. E fui limpar casa.

Ora quanto desaforo...

3 comentários:

  1. Amei aqui..Temos coisas em comum..Aparece aqui..Bju!Sigo-te!

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  2. Nao sei se é inventado, mas esse carteiro é o cara! rsssrs muito bom.

    Pablo Petro

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  3. Hey, Tai!

    Tudo bem?

    Para, vai! O prazer foi todo meu em te conhecer, voce escreve muito melhor e eu me senti profundamente honrado.

    Eu nao pude beber tanto quanto gostaria (deveria/merecia... enfim...) porque tava numa semana meio doentinho... viajei mesmo porque senao a Lu me cortava as partes fora.. haha...

    Mas pretendo voltar a 3 Lagoas com mais tempo (e saúde) e a gente se fala melhor!

    Muita Sorte!

    Beijao

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